sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Porquê Mobilidade a Sério?

Porquê? E para quê ter interesse em conhecer, perceber, estudar e comunicar sobre mobilidade e transportes?

Porque é neste momento (e sempre foi) absolutamente importante e decisivo para o presente e futuro de cada território, assim como da sociedade como um todo!

Porque sem políticas de mobilidade a sério e transportes, os cidadãos são empurrados para a dependência do automóvel. E sem que se apercebam, os cidadãos têm de dispender de 10% ,20%, 30% dos seus rendimentos mensais para combustível e manutenção do seu automóvel.
Alguns endividam-se, outros dispendem de valores equivalentes ao somatório dos ordenados de vários meses ou anos inteiros de trabalho para aquisição de carro. Assim o cidadão paga por aquilo que o estado e os seus impostos deviam assegurar. O direito à mobilidade.

Porque... mobilidade é ambiente.
O sector da mobilidade e transportes é responsável por 30% das emissão de gases com efeito de estufa. A proliferação dos automóveis de combustão ao longo das últimas décadas contribuiu para a aceleração das alterações climáticas.
A descarbonização tem no sector dos transportes um óbvio foco de acção. Mas a emergência por vezes aporta outros perigos. A electrificação massiva através de baterias oferece outros riscos ambientais e preserva uma cultura de extrativismo de metais e terras preciosas altamente questionável. Há uma forma de alimentação elétrica, que apesar de antiga, é a mais limpa e sustentável: fio suspenso, catenária. As baterias devem ser aplicadas no mínimo e estritamente necessário. 

Mobilidade é saúde.
Não só nos desejáveis acessos aos hospitais, mas também nos efeitos que as emissões de carbono decorrentes do excesso de automóveis causam na saúde dos cidadãos. Todos os anos morrem 300 mil pessoas na Europa em consequência de problemas respiratórios em grande parte influenciados pela poluição atmosférica. É o suficiente para considerar a importância dos sistemas de transportes limpos, eficazes e capazes para substituir a dependência do automóvel.
E também a necessidade de resgatar os espaços públicos para a pedonalização e mobilidade ciclável. Reduzindo assim o sedentarismo, combatendo o colesterol e a hipertensão. Baixar a pressão da prevalência de doenças crónicas nos sistemas de saúde, cujos custos acabam por ser sempre os contribuintes a pagar.
É sabido também que o ruído da circulação automóvel, muitas vezes excessivo, afeta a saúde, nos domínios da psiquiatria e neurologia. Não se deve continuar a negligenciar a necessidade de alterar os padrões de mobilidade para beneficiar a saúde das populações.

Mobilidade e transportes também é segurança.
Especialmente em Portugal assiste-se a números vergonhosos de sinistralidade rodoviária. É o país do ocidente europeu em que há mais atropelamentos e, com vítimas mortais. Culturalmente desculpabilizam-se os excessos de velocidade, normalizam-se os comportamentos agressivos ao volante e encara-se a fiscalização das normas de trânsito como caça à multa. Portugal é o país com menos radares e menos fiscalização do trânsito também no ocidente europeu. Há um sádico apetite coletivo pelo "acidente" automóvel. Como se não fosse evitável e como se as vítimas mortais ou vidas desgraçadas fossem um mal necessário para consagrar a liberdade de conduzir sem regras.
Segurança também no domínio do espaço público. Quanto mais pessoas se deslocam nos seus percursos porta a porta de carro, menos gente há a circular a pé. E assim a sensação de insegurança nas ruas aumenta. Ao andarmos na rua ou, se mais crianças andarem e brincarem na rua, beneficia-se de um efeito de vigilância colectiva. Sem esse movimento pedonal e de rua ocupada por pessoas em vez de carros, a insegurança aumenta.

Mobilidade é educação. 
O acesso às escolas através de transportes públicos é uma necessidade. Pensando nos alunos, verificam-se cada vez mais deslocações de automóvel para a escola, até à porta da sala de aula. O ambiente em torno das escolas é insalubre e o espaço público saturado.
As crianças hoje em dia não conhecem o território como os seus pais e avós conheciam. De geração para geração tornam-se sujeitos cada vez mais inábeis para poder circular pelas ruas, saber chegar a destinos ou utilizar transportes.
Pensando nos professores, os dramas das colocações dos professores em escolas diferentes de ano para ano, obrigam a uma dependência do automóvel que não é atendida por transportes públicos capazes. Não é preciso imaginar grandes distâncias. Um professor de Guimarães que fique colocado em Felgueiras, Barcelos, Viana, apesar de distâncias relativamente curtas, não tem uma oferta de transportes aceitável, frequente e que possibilite encarar a deslocação sem depender do automóvel... Que acaba por absorver os tais 10%, 20% ,40% do seu ordenado.

Mobilidade é habitação.
A crise da habitação que decorre dos fenómenos de gentrificação nas grandes cidades, que transbordam para as suas periferias, coloca desafios aos sistemas de transportes e mobilidade. 
Um bom sistema de transportes públicos, rápidos, frequentes, em rede com correspondências, encurta o território e absorve grande parte da pressão sobre o imobiliário.
Cidades médias que podem estar ligadas a 30 minutos entre si, podem fazer fundir o mercado de habitação e mercado de trabalho ao se desenvolverem respostas de sistemas de transporte em tempo e comodidade competitivas.
Devia ser possível viver em Braga e trabalhar em Viana ou no Porto, ou na Póvoa de Varzim. Ou viver em Guimarães e trabalhar em Vila do Conde ou em Gaia sem pensar em mudar de casa. Ou ter de dispender de mais de 2 horas por dia em transportes ou então, depender de viatura própria e gastar 500 euros todos os meses para ir trabalhar.

Mobilidade é economia.
Um país que não produz petróleo, que é dependente energeticamente e desenvolve a sua mobilidade ao longo de décadas quase exclusivamente em cima de derivados petrolíferos... Está a condenar-se à pobreza. E à incerteza do futuro. No dia em que dispare uma crise global que afete o preço da matéria-prima ou o seu abastecimento, o país pára quase completamente.
A consciência colectiva dos cidadãos está muito reactiva aos preços dos combustíveis e a governança está refém da dependência que criou ao longo de décadas. A falta de soluções ferroviárias, pesadas ou ligeiras, de longo curso ou urbanas electrificadas, vai um dia cair em cima de todos. 
É necessária uma nova consciência de mobilidade na sociedade. Em vez de se reclamar dos combustíveis, deve-se transferir a exigência para mais e melhores sistemas de transporte e mobilidade. Que nos libertem da dependência energética que castiga a economia do país e, que também penaliza os orçamentos mensais de cada família.

Mobilidade é arquitetura e urbanismo.
A ilusão do automóvel que chega a todo o lado, abriu as portas à dispersão da construção e desorganização do território. Temos hoje cidades médias e pequenas com densidades muito baixas para serem consideradas cidade sequer. Com isto, além de se multiplicarem os custos com a construção e manutenção de infraestruturas, redes viárias, água e saneamento, energia, comunicações, condenam-se os sistemas de transporte ao prejuízo, precariedade de oferta e frequência, além tempos de viagem pouco competitivos. Estabelecendo assim um ciclo:
Má oferta de transporte
Menor procura por transporte
Mais uso de automóvel
Menos investimento no transporte
Pior oferta de transporte
...
A forma como se planejam e constroem hospitais, campus universitários, escolas, parques industriais, centros comerciais sem ponderar e integrar acessos a transportes públicos é todo um capítulo de mau urbanismo.
Assim como nas cidades e vilas em que se verifica a dispersão da construção sem se prevenir no espaço público, área para implantação de vias de transporte público. É todo um capítulo de arquitectura questionável. E támbem as barreiras ao peão e à mobilidade ciclável, em qualquer rua, avenida ou praça. 

Por isto tudo, vamos viajar pelo território, vamos conhecer outras realidades e exemplos, vamos estudar e propor soluções e sistemas de mobilidade e transportes. Ao nível local. Ao nível regional. À escala nacional! Vamos questionar as falhas e os erros nas políticas em vigor, vamos apontar e idealizar outras realidades.



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