As bicicletas são uma excelente solução de mobilidade no quotidiano.
Logo à partida tem os custos de aquisição e manutenção muito inferiores aos do automóvel. Custos com combustível não há. Quando muito, há que carregar a bateria no caso das elétricas... Por uma ínfima fração dos custos de energia por km, comparado com os custos de combustível.
São veículos também valorizados nos aspectos da ecologia e da saúde pessoal.
Respondem com eficácia às necessidades de deslocações individuais, especialmente em distâncias até 6/7 km. Modelos há que permitem transportar um passageiro ou também alguma carga.
Em meios urbanos são mais ágeis e flexíveis que os automóveis. Ocupam menos espaço público, seja em circulação ou estacionadas.
Em Portugal estamos décadas atrasados na mobilidade ciclável. Esquizofrenicamente até somos o maior produtor e exportador de bicicletas da Europa, mas somos o segundo pior país no aproveitamento modal das mesmas como solução de mobilidade no quotidiano.
Porquê? Como se chega a este desempenho? O que é preciso fazer para tornar atrativa a bicicleta como solução de mobilidade quotidiana?
Um problema cultural e, consequentemente político. As bicicletas são vistas como um brinquedo ou como um desporto.
Quem decide e estuda sobre a mobilidade está preso a este preconceito. Décadas de estudos e planos de mobilidade sustentável, aos níveis local, regional e nacional, só conseguiram parir ciclovias e/ou ecovias como se fossem ornamentos urbanos ou propaganda de greenwashing. Desconexas entre si, quase sempre em via partilhada com peões. Para aqueles passeios de fim de semana... Pior ainda são as vias partilhadas com automóveis à lagardère. Sem moderação de velocidades, com sinalização dúbia e insuficiente... Resultado em conflitos, sinistralidade e antipatias entre os utilizadores dos diferentes modos.
As ciclovias têm de passar à porta da casa das pessoas. E alcançar as escolas, hospitais, atravessar diametralmente as localidades, fábricas e centros comerciais. Devem ser planeadas rotas interurbanas e regionais. Deve haver hipóteses de mobilidade interurbana através da ciclovia que continua homogeneamente para lá da fronteira com o município vizinho.
É preciso então que os decisores e académicos deixem de pensar e descidir a intervenção no espaço público como se estivessem sempre atrás do seu volante. E que comecem a pensar como sendo eles próprios utilizadores de bicicleta. Ao fazê-lo, rapidamente se depararão com várias questões e desafios:
Como estar seguro perante automóveis e peões?
Estar parado no meio do trânsito automóvel, a levar com o fumo dos carros?
Ou para fugir a isto ser obrigado a subir para passeios e afrontar peões?
Mas é ilegal e coloco em risco os peões?
Como utilizar a bicicleta todo o ano independentemente do clima? Mesmo que chova? Como fazem os holandeses e os outros nórdicos?
Piso adequado? Cabe na cabeça de alguém circular em calçadas molhadas?
Estacionar a bicicleta? Naquelas docas ao ar livre pra ter a bicicleta toda molhada quando chove?
Começando a responder a estas questões:
É necessário segregar as vias cicláveis tanto quanto possível. Segurança, segurança e mais segurança. Para os ciclistas mas também para os peões e automobilistas. É do interesse de todos. E um favor aos automobilistas sempre tão hostis perante o "estorvo" de alguém montado na bicicleta à sua frente. Sendo práticos, são os principais interessados em ciclovias, só que ainda acham que não porque ninguém lhes explica isto assim.
E muita atenção ao piso. Piso adequado, com boa drenagem e sem ser escorregadio. Esqueçam paralelos e pedras polidas. É queda pela certa quando chove.
É necessário também padronizar e uniformizar sinalética e a infraestrutura em todo o território. A sinalética, o acesso e até a cor do piso varia de localidade para localidade.
E são precisos abrigos efectivos de bicicletas. Cobertos. Nem toda a gente tem a sorte de poder entrar com a bicicleta no local de trabalho. Este ponto é decisivo e gamechanger na implementação da mobilidade ciclável. A atratividade no uso da bicicleta cai por terra na hora de pensar onde deixá-la. Proximidade, segurança da propriedade e condições de abrigo face à degradação. É importante que tanto quanto possível, em todas as ruas surjam bicicletários, protegidos face à chuva.
Um lugar de estacionamento automóvel de 12m² pode aparcar facilmente até 20 bicicletas. Mas então e para abrigar da chuva? Estão a imaginar aqueles abrigos para os carrinhos de supermercado? Não é difícil. E dentro de cada escola, hospital, estação de comboios ou autocarros, fábrica e centro comercial. É fundamental.
Relembrando: só é sério pensar na mobilidade sustentável se for para todos os dias do ano e não só quando está sol ou boa temperatura amena.
E a questão do relevo e as inclinações que se encontram em várias cidades como Lisboa, Porto, Coimbra ou Guimarães por exemplo?
A resposta é oportunidade para as bicicletas elétricas.
A experiência com estas bicicletas assistidas é que transformam as colinas em planície. Apesar de aumentarem os custos de aquisição, manutenção e utilização, a resposta da máquina oferece capacidade de carga, autonomia e alcance para distâncias maiores e com mais desnivelado.
E se pudéssemos entrar com a bicicleta no autocarro, para além do metro e/ou comboio?
A conjugação de transporte público com bicicleta faz com que as paragens e estações aumentem exponencialmente as suas áreas de procura/influência. Com isto consegue-se competir nas necessidades de mobilidade interubana ou regional, muito além das necessidades de mobilidade urbanas locais. Exemplo: 🏠casa - 2km/5 min🚲 - estação de partida🚉 - 40km/35min🚆- estação destino🚉 - 3km/7min🚲 - trabalho🛠️.
É preciso que os operadores de transporte público olhem para as suas frotas e adequem soluções que permitam o acesso e transporte de bicicletas. Em massa e sem conflituar com os outros passageiros. Sem obstaculizar. No transporte ferroviário é mais simples esta tarefa, mas nos autocarros também já há trabalho e exemplos bem sucedidos.
Havendo vontade, sempre a vontade ou a falta dela.
Agora, há também desafios e responsabilidades para os utilizadores de bicicleta!!!
O desejável e consequentemente aumento da prevalência da mobilidade ciclável acabará por gerar outros problemas que devem ser previstos e prevenidos.
Segurança e prevenção de acidentes, danos físicos e materiais, responsabilidade civil.
Furtos.
Identificação de proprietários e utilizadores.
Na nossa visão, andar de bicicleta na via pública não é brincadeira nem desporto. Tal como desejamos que os políticos olhem com seriedade para a mobilidade ciclável, temos de corresponder com seriedade enquanto utilizadores.
Sem que se recaia na super burocratização, tão habitual em Portugal, deve-se pensar num registo único de bicicleta, com seguro e certificação do estado da da mesma.
Porquê?
Segurança!
Segurança do registo de propriedade face aos roubos. Até já existe em Portugal uma plataforma para este efeito.
Segurança comunitária de circulação na via pública depende da confiança nas condições mecânicas das bicicletas. Travões, reflectores, iluminação e outras componentes devem ser sujeitas a manutenção e verificações certificadas de forma a garantir padrões de segurança. Há certamente muitas bicicletas em circulação com origens e manufacturas que não cumprem normas comunitárias. E já para não falar na questão das chinezisses elétricas que andam por aí sem qualquer tipo de homologação.
Pode estar aqui uma oportunidade económica. Menos carros e mais bicicletas pode ser a oportunidade para muitas oficinas auto se converterem em oficinas bici. Assim como toda a economia de prestação de serviços e comércio de peças. Abrir esta perspectiva é desconstruir alguns argumentos de natureza económico-social contra a mobilidade ciclável.
Seguro de responsabilidade civil. Deve ser obrigatório.
Acidentes acontecem. Ninguém está imune a falhas de atenção ou mecânicas e acabar por atropelar alguém ou danificar um automóvel. Boa sorte para quem se encaixar na traseira de um Jaguar de 80mil euros sem seguro. Em 5 segundos ficam com a vida completamente de pernas para o ar. Existem seguros desde 25€, 40€ até 75 euros anuais. Não são nenhuma fortuna e podem prevenir estragos irremediáveis na vida financeira de um cidadão.
Mesmo não sendo obrigatório atualmente, é já altamente recomendado. E se possível adicionando cobertura de danos físicos e assistência médica. A realidade é que em cima de uma bicicleta expomos à vulnerabilidade a nossa integridade física.
Por isso também defendemos o uso obrigatório de capacete.
De qualidade, homologados, podem salvar a vida. Não faltam relatos de casos em que os capacetes salvaram a vida de ciclistas e a falta de capacete condenou à morte tantos outros. Aprender da pior maneira não é solução. Denuncia até falta de lucidez e maturidade. Há muitos ciclistas que foi preciso caírem e ter uns sustos para perceber o que está em causa ao não usar capacete.
Há uma caminho de consciência e pedagogia a ser feito. Há algumas décadas os cintos de segurança também não eram obrigatórios e tardaram bastante a ser aceites de forma generalizada pelos automobilistas e passageiros.
Temos de assumir responsabilidades na condição de utilizadores. O fundamentalismo da bicicleta sem regras, sem concessões de direitos e deveres e na completa informalidade, só afecta a causa. Não é racional e cria anticorpos na sociedade. Apelamos à consciencialização de todos os utilizadores de bicicleta para estas questões. Só assim se consegue ganhar embalo para sermos exigentes com os políticos e demandar atenção e pertinência na modelação do espaço público a favor da utilização de bicicleta.