Os automóveis são máquinas demasiado caras para transportar na maior parte das vezes apenas um ocupante e para passar a maior parte do tempo parados. A perda de energia, a ineficiência enquanto máquina é brutal.
Mas, racionalmente não se pode cair no erro de desvalorizar totalmente a solução automóvel e combatê-lo cegamente.
Na nossa visão, há espaço para o automóvel. Necessariamente menos do que aquele que actualmente existe consagrado ao mesmo, e que condena as nossas cidades e vilas a padrões de qualidade de vida muito questionáveis:
- Espaço público desumanizado;
- Insegurança e sinistralidade rodoviária que leva a que muitos cidadãos tenham simplesmente medo de andar na rua a pé;
- Falta de confiança para as crianças voltarem a brincar na rua, prejudicando o seu desenvolvimento;
- Poluição atmosférica e qualidade do ar nefasta para a saúde;
- etc...
Já para não falar dos custos incríveis de aquisição, manutenção e combustível, face aos rendimentos dos portugueses. Traduzir esses custos em tempo de trabalho para os pagar é arrasador. Faça o leitor essa conta. Quantos dias, meses, anos teve/tem de trabalhar para pagar o seu "direito à mobilidade"?
Entender isto devia fazer despertar a sociedade para a exigência de novos e melhores sistemas de transportes, assim como de infraestruturas que facilitem a alternativa de deslocação por meios suaves e mais económicos. Quando perceberem que isto é um assunto que lhes entra muito no bolso, talvez despertem.
Mas ainda que tivéssemos sistemas de transportes e mobilidade eficazes e responsivos às necessidades da sociedade, prevaleceriam de facto tipos de deslocação que só serão satisfeitas com automóvel e que certa forma minimizam as ineficiências da solução:
- Deslocações com três ou mais ocupantes são à partida mais admissíveis em contexto de sustentabilidade, quer de recursos, quer de ambiente;
- Deslocações de pessoas com mobilidade reduzida ou fragilidade de saúde;
- Deslocações de profissionais itinerantes;
- Deslocações com transporte de grandes volumes.
Especialmente estas situações genéricas, que não são rígidas e estanques, servem para expor as virtudes do automóvel, tanto a montante, como a jusante de um bom sistema de mobilidade.
Mas... chegamos a uma tal degradação do sistema de transportes, em que para além das situações identificadas, se utiliza o automóvel para toda e qualquer deslocação. A maioria dos automóveis circula com apenas um ocupante. Independentemente da distância e da causa. Quer para ir à padaria a 500 metros, quer para ir dar aulas a 60km.
Nestes dois exemplos temos a multiplicação do preço do pão no primeiro caso. E o trabalhar para pagar a deslocação para o mesmo no segundo: carro comprado a pronto ou credito, manutenção e 500 euros para combustível e portagens. Com um ordenado de 1600, esta situação é um desastre financeiro para o orçamento pessoal/familiar.
Quando se pede uma repartição do espaço público, para devolver espaço ao peão, ciclovias segregadas atrativas e com segurança à prova de clima e canais de transportes públicos segregados, não se deseja eliminar o acesso rodoviário comum, só porque sim e só porque se quer cegamente tirar os carros das cidades.
Há e deve continuar a haver espaço para o automóvel. O suficientemente para quem precisa mesmo e não tem alternativa. É preciso induzir as alternativas. Com racionalidade, vontade e determinação.