Porque a mobilidade em Portugal está altamente disfuncional. Excesso de rodovia, dependência energética, falta de competitividade e oportunidades na economia, porque a ferrovia foi votada à degradação ao longo de décadas.
A apresentação do Plano Ferroviário Nacional, na nossa análise, não foi suficientemente profundo e contundente. Conserva uma heterogeneidade na rede, aposta quase tudo na Alta Velocidade e longo curso, mas falha na mobilidade regional, que é a que mais impacto pode criar na vida das pessoas.
É preciso assumir a ferrovia. É preciso assumir as asneiras que se fizerem e continuam a fazer. Pensar e desenhar o sistema de transportes com a ferrovia no topo da hierarquia. Sem medo. Não é preciso ser entusiasta para isso. Basta ser honesto.
O comboio, ainda mais quando eletrificado, é o meio de transporte mais sustentável. Nas necessidades de mobilidade de longa distância(interesse nacional), média distância (interesse regional) e metropolitanas:
- mais rápido;
- menos tempo de viagem;
- mais capacidade;
- mais ecológico.
Nas mercadorias também.
Uma Rede Ferroviária a sério assume o papel do comboio para diariamente:
- substituir dezenas de voos internos e com outras cidades da Península Ibérica;
- substituir centenas de ligações rodoviárias entre as principias cidades e também interurbanas;
- substituir centenas de milhar de deslocações de automóvel particular;
Para isso é preciso construir novas linhas. Renovar linhas existentes. Renovar a sério e não ficar apenas por renovaçoes superficiais e cosméticas. E encerrar linhas e troços que não permitam ao comboio ser a solução mais competitiva de mobilidade.
Isto não é feito por e para entusiastas dos caminhos de ferro. Não está preso a saudosismos de linhas e materiais circulantes antigos, que normalmente os entusiastas veneram.
O nosso exercício pega na rede ferroviária atual e desconstrói-a. Os serviços, as ligações, a nomenculatura, as práticas comerciais, o acesso. A infraestrutura. A organização. Questionamos tudo e refazemos a rede de serviços de cima a baixo.
Atacamos as disfunções, colocamos cada meio de transporte no seu lugar e em complementaridade. O autocarro expresso não substitui o comboio. O metro não substitui o comboio suburbano. O Metrobus não substitui o comboio regional. Reduzimos os transbordos. A mesma ligação atravessa mais territórios em vez de ser fraccionada em várias.
Na mobilidade regional vamos sair do paradigma atual:
No nosso plano, desenhamos primeiro os serviços, as necessidades e oportunidades para ligar o território e criar uma rede ferroviária que se imponha e que revolucione a mobilidade no país.
Uma rede existe porque tem "nós" e complementaridade entre linhas. As linhas alimentam-se umas às outras.
É ao plano de serviços idealizados, que a infraestrutura deve responder.
2. Fraturas Socioeconómicas
Obviamente há interesses instalados que legitimamente são antagónicos ao Plano Ferroviário Nacional.
Empresas rodoviárias de transporte de passageiros e mercadorias, sector dos combustíveis, concessionárias das auto-estradas, comércio e manutenção de automóveis vão perder mercado à medida que a ferrovia se revelar cada vez mais capaz.
É preciso responder a esta fratura Socio-Económica.
Pragmaticamente, tem de se oferecer a oportunidade dos agentes da mobilidade vigente, velha e insustentável, passarem do lado do problema para o lado da solução. Cativar e atrair para as oportunidades na ferrovia, na nova mobilidade sustentável.
Oportunidades de participar na:
- Construção e manutenção da infraestrutura;
- Construção e manutenção de material circulante;
- Operação.
Por exemplo: Grande parte das empresas de transporte rodoviário de passageiros são parte de estruturas globais de transporte, também ferroviário: Transdev, Arriva, Flix, etc... são operadores ferroviários noutras latitudes. Há know-how ferroviário acessível nas organizações.
Neste Plano Ferroviário, à medida que o mesmo for avançando, vão ser precisos cada vez mais maquinistas, revisores, controladores de trafego e profissionais especializados , na indústria e tecnologia. As carreiras dos atuais profissionais dependentes da rodovia dever ter uma natural conversão para carreiras no novo mundo ferroviário.
Está ação é importante para apaziguar as resistências naturais ao avanço do PFN.
3. Redefinir e Estruturar os Territórios
3.1 Rede de Interesse Nacional
Entender e organizar uma "Rede de Interesse Nacional" sob uma "Autoridade Nacional de Transportes".
Que coordena a gestão e a utilização da infraestrutura. Que estabelece a demanda e os encargos para o operador público e possíveis operadores privados concorrerem e prestarem serviço de forma a ligar e atravessar:
- as grandes e médias cidades (>20mil hab)
- a Espanha através dos corredores transfronteiriços;
- todos os Aeroportos.
3.2 Redes de Interesse Regional
Entender e estabelecer as "Redes de Interesse Regional". No fundo, regionalizar a gestão dos recursos e e demanda à escala de cada uma das regiões Nut2:
- Norte
- Beira
- Lisboa e Vale do Tejo
- Alentejo
- Algarve
- cidades médias (>10 mil hab);
- hospitais centrais;
- campus universitários;
- polígonos industriais e comerciais.
3.3 Sistemas Metropolitanos e Sistemas Intermunicipais
A partir das redes arteriais ferroviárias, devem-se desenvolver redes complementares, capilares, com outros meios de transporte que se configurem a solução mais sustentável de acordo com a capacidade e velocidade mais adequadas às necessidades e demanda de cada corredor a servir.
A Autoridade Metropolitana/Intermunicipal de Transportes agrega em si a gestão integrada que ascende sobre os interesses de cada modo de transporte ou operador, em favor do interesse público.
Evitar que os interesses dos operadores se sobreponham ao interesse da população, evitar concorrência entre modos e promover a complementaridade modal.
Por exemplo, os Metros operam e executam. Não planeiam expansões. Não concorrem com a ferrovia nem se sobrepõe aos outros modos ligeiros. Há uma autoridade que planeia, demanda e coloca a concurso a operação e execução.
3.4. Condicionamento de Novas Edificações e Urbanismo
Aeroportos, hospitais, campus universitários, polígonos industriais ou qualquer equipamento que gere procura de pessoas em massa à escala regional, só poderá ser construído em local servido o mais convenientemente possivel por rede ferroviária de interesse regional.
O planeamento urbano deve prever a densificação de habitação nos corredores dos sistemas metropolitanos/interurbanos e inibir a dispersão de aglomerados habitacionais por territórios desligados das redes de transportes.
4. Infraestrutura Ferroviária
4.1 Padrões de Velocidade
Renovar a infraestrutura existente e resgatar as linhas encerradas, onde as mesmas forem capazes de se adequar aos padrões de serviço e estado da arte ferroviária nos congéneres europeus.
Por exemplo: Faz sentido recuperar a Linha de Leixões para serviço de passageiros. Mas não faz sentido recuperar os troços encerrados das Linhas de Póvoa de Varzim-Famalicão ou Guimarães-Fafe para serviços de passageiros contemporâneos, pois estes tinham traçados com padrões do passado, sinuosos e lentos que limitam a sua capacidade e competitividade.
Em cada corredor, a infraestrutura ferroviária tem de assegurar condições para o tempo de viagem prevalecer sempre mais competitivo do que a rodovia. O contrário configura falta de investimento e culmina em encerramento.
A cada incidente, dano ou degradação da infraestrutura tem de se responder agilmente de forma a repôr os melhores padrões. Tem de estar contratado e com força de lei. Deixa de ser possível ir limitando a capacidade e reduzindo velocidades em vez de fazer a reparação e manutenção. Foi esta atitude negligente ao longo de décadas que nos trouxe até ao pior sistema ferroviário da Europa.
4.2 Padrões de Segurança
Aplicar sinalização e segurança de circulação de acordo com os padrões mais elevados em toda a rede:
- abolir cantonamentos telefónicos
- substituir obsoleto Convel por sistema ERTMS
- eliminar fontes de erro humano
- prevenção de Acidentes
- aumento e optimização da capacidade da infraestrutura
- eliminar passagens de nível
4.3 Novos Acessos Ferroviários nas Cidades e Áreas Metropolitanas:
O território e a demografia nas cidades desenvolveu-se durante o século XX e início do século XXI, mas os acessos ferroviários nacionais, regionais e suburbanos não acompanharam as mutações territoriais, salvo raríssimas excepções (comboio da ponte 25 de Abril e margem sul)
São necessárias novas linhas nas Áreas Metropolitanas!!!
É preciso que a ferrovia chegue ao centro das cidades e que as atravesse diametralmente tanto quanto possível!!! Que chegue às áreas de procura de hospitais, campus universitários e demais locais de interesse nacional, regional e local..
É com essa abordagem que pode esvaziar a alta dependência do automóvel. Fazer o transporte chegar mais cedo, mais rápido e com mais capacidade onde as pessoas querem e precisam ir todos os dias.
5. Exploração da Rede
5.1. Liberalização
As autoridades nacional e regionais de transportes coordenam e demandam a exploração da rede sobre os operadores.
Os operadores podem concorrer à exploração de qualquer serviço, cumprindo os encargos definidos pela autoridade.
O operador público, atual CP, concorre e atua no mercado liberalizado. Ademais fica com a operação dos serviços não reclamados pelos operadores privados, usando os recursos de empresa pública e missão de serviço público para assegurar os planos das autoridades de transportes.
5.2. Redefinição Identitária dos Serviços
Criação de iconografia e novas identidades dos serviços de transporte, à escala nacional. A constar em diagramas de rede, mapas, estações, sinalética das paragens, próprios veículos...
De cidade para cidade, de região para região, independentemente do tipo de ligação, do operador, da marca comercial associada ao serviço, há uma identidade comum, universal.
Fácil de ser apreendida pela população. Aprendida nas escola até.
Especialmente na Ferrovia passam a haver 6 tipos de serviços, cuja nomenculatura não é fiel àquela que é praticada atualmente.
Com bastante inspiração nos sistemas ferroviários da Alemanha e Suíça:
- Com uma nova redefinição do que é Regional, InterRegional e Suburbano em função da geografia real e da reorganização em cinco regiões ferroviárias;
- Com agregação de vários serviços fracionados em apenas um de forma a diminuir rupturas de carga e transbordos;
- A atravessar diametralmente as cidades e as regiões.
Com aplicação de horários cadenciados, frequências homogéneas em toda a rede.
5.3. Comunicação e Acesso
Horários, informações comerciais, bilhética e compra de títulos de viagem centralizados numa única plataforma informática:
- Constante nas máquinas de venda em estações, computadores e smartphones:
- Todos os serviços, agregando correspondências e todos os meios de transporte na origem e destino;
- Deve ser plataforma para colocar em prática todo e qualquer passe ou assinatura mensal de qualquer serviço de transportes em Portugal;
- Constitui ainda uma ferramenta poderosa para medir, estudar e planear o transporte público.